por jap em Terça Jun 05, 2007 12:37 am
Caros Olímpicos,
Tenho uma triste notícia para vos dar. Fui hoje informado que o presidente da SPF acaba de enviar uma carta aos estudantes seleccionados para a IPhO e para a OIbF comunicando-lhes que Portugal já não irá ao Irão competir na IPhO, por Portugal ter declinado o convite que lhe foi endereçado pela organização do país anfitrião para participar neste evento. Como sabem, o convite é feito ao Ministro (neste caso Ministra) da Educação que, aceitando o convite, tem delegado na Sociedade Portuguesa de Física a preparação, selecção e participação da equipa portuguesa nas olimpíadas. Acontece que o Ministério da Educação decidiu este ano aceitar o convite para participar na OIbF e, pelos vistos, declinar o convite para participar na IPhO. Não tenho detalhes da razão ou razões que possam justificar tal decisão, decerto questões de segurança relacionadas com a situação política na região, mas não poderão estar relacionados com os custos uma vez que o financiamento para a nossa participação na IPhO estava assegurado pela Agência Ciência Viva. Como sabem, nós já tínhamos feito a inscrição da equipa na IPhO, tratado de reservar viagens, e até já estávamos a tratar dos vistos para o Irão. Com muita tristeza nossa, vamos ter de abortar todos estes preparativos de viagem, uma vez que, tendo o Governo tomado a decisão de Portugal não se fazer representar na competição, não o podermos fazer à revelia da sua vontade.
Sei que é enorme o desapontamento de todos vós e, podem ter a certeza, o meu não é menor. De facto, esta é uma situação inédita na história das Olimpíadas de Física. Temos mantido uma presença ininterrupta nas competições internacionais desde a nossa primeira participação em 1993. Na minha qualidade de “treinador”, desde 1998 que acompanho as equipas à IPhO e à OIbF e nunca uma situação de tal natureza ocorreu.
Percebam que a decisão de não participar na IPhO este ano é de natureza “superior”. Tal como já tive ocasião de explicar a outro propósito, a logística das olimpíadas de Física é semelhante à das olimpíadas desportivas ou, se preferirem, a um campeonato internacional de futebol:
• A decisão de participar ou não na competição internacional é do Governo, uma vez que se trata de uma representação nacional.
• A selecção, preparação, e participação na IPhO é feita, por “contrato”, pela SPF.
• O treino é assegurado pelos team-leaders, e colaboradores, “contratados” pela SPF.
A supervisão e gestão do processo está a cargo de uma comissão, a Comissão Nacional das Olimpíadas de Física.
É claro que os treinadores têm a responsabilidade de treinar, e não podem contrariar as decisões políticas das estruturas às quais eles estão “subordinados” - a SPF e, a um nível superior ainda, o próprio Governo. No entanto somos nós que damos a cara aos jovens e aos professores que estão envolvidos nas olimpíadas e, se alguma coisa corre mal, é natural que nos sejam pedidas “contas”. Em particular este ano fui eu quem deu mais a cara, como atestam as mais de 1000 mensagens que enviei, este ano, à comunidade olímpica deste fórum! Ora com este desfecho, é evidente que algo correu mal, muito mal mesmo, o que nos deixa a nós treinadores e à SPF, e sobretudo a mim, numa posição muito complicada. Embora já nada possa fazer para contrariar a decisão tomada superiormente, queria que ficasse bem clara a minha opinião sobre o assunto. A menos que existam dados que eu desconheça (e admito que possam existir!) sobre problemas de segurança na deslocação ao Irão, não posso deixar de discordar desta decisão, sobretudo se ela for de natureza política, e do seu timing. De facto, tanto quanto nos é dado conhecer nesta altura por contactos que estabelecemos com colegas nossos, a esmagadora maioria dos países ocidentais tenciona participar na IPhO, entre eles a Espanha, a França e a Grã-Bretanha. A ser assim, a não presença de Portugal na competição será um caso singular que nos deixa muito mal vistos, na minha opinião. O espírito olímpico é bem claro e está traduzido nos estatutos da competição: as olimpíadas são uma ocasião de congregação de povos (neste caso de jovens) de vários cantos do mundo, com muitas diferenças políticas, sociais, religiosas, étnicas. É contra o espírito olímpico que os países ocidentais boicotem olimpíadas por discordarem do regime ou cor política de um dado país ou por ele não respeitar o cânone da ética ocidental. Estou perfeitamente à vontade para afirmar esta opinião, até porque não tenho nenhuma simpatia pelo regime iraniano e pelos regimes integristas muçulmanos! Por outro lado o timing não poderia ser pior, porque a mudança de planos nesta altura interferirá, inevitavelmente, com os vossos planos de exames, férias, etc., que já estavam decididos em função da viagem ao Irão.
Face ao sucedido, a minha posição é a de que, dadas as circunstâncias, só poderei continuar nesta tarefa de treinador dos jovens olímpicos portugueses se forem satisfeitas algumas condições que transmiti ao Presidente da SPF e que incluem, desde logo, um comprometimento da SPF de atribuir prémios razoáveis aos jovens que não puderem participar nas competições internacionais, devido a esta situação.
A minha sugestão, que hoje transmiti ao Director das Olimpíadas de Física que a fez chegar ao Presidente da SPF é a seguinte:
Os cinco olímpicos que estavam para ir ao Irão passam a ir à Argentina em Setembro, sendo a equipa constituída pelo Raul, Pedro Ponte, Pedro Carrilho e João Guerreiro. O Ivo poderá acompanhar a comitiva na qualidade de observador (não irá competir).
Aos restantes quatro, Tiago, Nuno, Manuel e João Ramos, que estavam escalados para a OIbF e que serão substituídos pelos seus colegas com melhor classificação na prova de selecção, proponho que lhes seja desde já prometido um prémio razoável como, por exemplo, uma viagem e visita ao CERN, ou algo do género. Se o Ivo preferir, poderá juntar-se a este grupo em vez de ir à Argentina.
Caso as condições a que acima me referi não venham a ser satisfeitas, fica desde já anunciada a minha despedida destas funções de treinador e, naturalmente, do Quark!. Sairei desgostoso, mas de consciência tranquila: dei o meu melhor para fazer dos meus olímpicos grandes campeões e sei que não me desapontariam. Todos demos o máximo do nosso empenho, e com frutos: as prestações têm vindo a melhorar todos os anos e este ano, estou convencido, seriam ainda melhores. Este ano temos uma das mais espectaculares equipas que alguma vez me passou pelas mãos, o vosso empenho tem sido fantástico, a nossa comunidade estava coesa, o espírito olímpico estava bem alto! É de lamentar que venham destruir esse nosso momentum e deitar por terra o vosso sonho de participar na IPhO, e só espero que este triste episódio não manche o vosso interesse pela Física.
A minha impressão é que, sinceramente, se isto fosse um campeonato de futebol, o tratamento teria sido bem diferente – e desde logo a presumível questão de falta de segurança seria resolvida. Não sei se o Ministério da Educação tem realmente consciência do trabalho e valor de todos, jovens e professores, que participam, de forma altruísta e graciosamente nas Olimpíadas de Física. Mas é o país que temos.
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jap s Quinta Jun 07, 2007 1:31 am, editado 3 vezes no total
José António Paixão
Departamento de Física da FCTUC